Era uma reunião como as outras do centro espírita que frequento. Enquanto aguardava o atendimento, deixei-me levar pela leitura. Ao meu lado, um rosto conhecido. Algumas conversas em outras ocasiões sem nenhuma intimidade que me levasse a confundir o coleguismo com amizade.
De repente, aquela mulher de trinta e poucos solta uma frase que nunca vou esquecer:
- Este livro mudou a minha vida!
Em meio à minha admiração, ela continuou:
- Se hoje sou feliz, devo a este livro! A minha filha é linda!
Nada comentei. Seus olhos verdes marejados ainda ficaram vidrados por um tempo nas páginas daquele livro, que dali em diante transformaram-se para mim. Contive-me para não chorar. Ao meu lado, uma mulher que resolveu ser mãe mesmo com todas as dificuldades, desafios e responsabilidades que um filho pode acarretar. Tudo por causa daquelas páginas que, para muitos, não passam de fantasias.
Deixe-me viver, de autoria do espírito Luíz Sérgio, marcou a vida daquela mulher. A minha também. Ainda não sou mãe, mas é o meu maior sonho. Não quero aqui forçar ninguém a acreditar na doutrina espirita. Quero apenas fazer uma reflexão. Independente de religião, para todos que defendem que a vida se inicia na concepção, fica a pergunta: o que acontece depois de um aborto? Como fica esta vida depois da interrupção da gravidez?
É exatamente isto que Luiz Sérgio trata. Absurdamente real para os adeptos do espiritismo, a linguagem direta e as demonstrações dolorosas fazem, sem sombra de dúvidas, qualquer curioso parar para pensar sua opinião. A cada história, uma reflexão sobre as consequências de atitudes regradas por nossa insana humanidade é levantada. Luxúria, egoísmo exacerbado, omissão de responsabilidades, falta de caridade são demonstradas de forma nua e crua.
Sim, esta forma inconsequente como vem sendo tratada a questão do aborto atualmente me relembrou essa mulher e esse livro. Levar para o jogo sujo da política algo tão sério é condizente a querer transformar Deus em cabo eleitoral. Política e religião não se discute, muitos dizem. Em um país laico, não deveriam se misturar. Cristão também é eleitor, claro, mas crenças não são votadas em plenário.
Mais do que saúde publica, o aborto é uma escolha. E como para toda ação há sempre uma reação – é a física da vida – ceifar uma vida desta forma gera efeitos que, na maioria das vezes, são dolorosos. Não precisa ser espírita para saber disso. Todos os dias, aparecem histórias de mães traumatizadas física e psicologicamente, mutiladas pela culpa que carregarão pelo resto de suas vidas. Diante disso, não há lei humana que seja eficaz o bastante.
Num Brasil onde várias leis são promulgadas e poucas são seguidas, discutir a descriminalização do aborto é quase irrisório. Não sou a favor de tal mudança. Se a norma continuar como está ou mudar, ainda assim vão existir mulheres despreparadas para ser mães e que vão procurar métodos ou clínicas clandestinas na tentativa de se livrar do “problema”.
É o retrato de um mundo que se diz civilizado, mas que ainda engatinha pela barbárie, o espelho de uma humanidade que tem muito a caminhar para entrar nos eixos. Pode demorar décadas, séculos, milênios para isso acontecer. Vai saber. Essa também é uma questão de escolha.